el sonido de los bermudas

10 fevereiro 2010

Virtual


Entrei faminto no restaurante. Escolhi uma mesa bem afastada do movimento, pois queria aproveitar o momento de que dispunha para relaxar, depois de uma manhã cansativa consertando bugs de um sistema.

Pedi um filé de peixe, uma salada e um suco de laranja, comida bem leve.

Abri meu notebook e levei um susto com aquela voz baixinha atrás de mim:

— Tio, dá um real?

— Pô, nem da garoto!

— Só uma moedinha pra comprar um pão aê tio!

— Beleza, compro um pra você.

Minha caixa de entrada estava lotada de e-mails. Fico distraído. Ah, essa música me leva a Londres e a boas lembranças .

— Ô tio, pede aê pra colocar margarina e queijo também?

Percebo que o menino está com muita fome.

— Opa, beleza, peço sim!

Chega a minha refeição e junto com ela o meu constrangimento. Faço o pedido do menino, e o garçom me pergunta se quero que mande o garoto ir. Meus resquícios de consciência me impedem de dizer. Digo que está tudo bem.

— Deixe-o ficar. Traga o pão e mais uma refeição decente pra ele, por favor!

Então o menino se sentou à minha frente e perguntou:

— Tio, o que você está fazendo?

— Estou lendo uns e-mails.

— O que é isso?

— São mensagens eletrônicas mandadas por pessoas via internet.

Sabia que ele não iria entender nada, mas a título de livrar-me de maiores questionários disse:

— É como se fosse uma carta, só que via internet.

— Tio, você tem internet?

— Tenho sim, é essencial no mundo de hoje.

— Como é a internet, tio?

— É um local no computador onde podemos ver e ouvir muitas coisas, notícias, músicas, conhecer pessoas, ler, escrever, sonhar, trabalhar, aprender. Tem tudo no mundo virtual.

— E o que é esse virtual, tio?

Resolvo dar uma explicação simplificada, novamente na certeza que ele pouco vai entender e começar a comer.

— Virtual é um local que imaginamos algo que não podemos pegar ou tocar. É lá que criamos um monte de coisas que gostaríamos de fazer. Criamos nossas fantasias, transformamos o mundo em quase como queríamos que fosse.

— Legal esse virtual. Gostei!

— Garoto, você entendeu o que é virtual?

— Sim, tio, eu também vivo nesse virtual.

— Você já acessou a internet alguma vez?

— Não tio, mas meu mundo também é desse jeito... Esse virtual ai. Minha mãe fica todo dia fora, só chega muito tarde. Eu fico cuidando do meu irmão pequeno, que vive chorando, as vezes dou farinha de milho para ele pensar que é uma comida gostosa. Minha irmã mais velha sai todo dia, diz que vai vender o corpo, mas eu não entendo, porque ela sempre volta com o corpo. Meu pai está na cadeia há um tempão. Mas sempre imagino nossa família toda junta em casa, muita comida muitos brinquedos de Natal, e eu indo pra escola e virar médico um dia. Isso não é virtual, tio?

Fechei meu notebook, segurei antes que as lágrimas pudessem cair sobre o teclado. Esperei que o menino terminasse de literalmente 'devorar' o prato dele, paguei a conta e dei o troco ao garoto, que me retribuiu com um dos mais belos e sinceros sorrisos que eu já recebi na vida, e com um 'Brigado tio, você é legal!'.

Ali, naquele instante, tive a maior prova do virtualismo insensato em que vivemos todos os dias, enquanto a realidade cruel come de verdade, e fazemos de conta que não percebemos!