el sonido de los bermudas

20 agosto 2010

Janela para o amanhã

A luz acordou o homem, que tinha a impressão de ter acabado de pegar no sono. Sabia o motivo dessa insônia que também dominava o resto do grupo e talvez a milhares de outras pessoas que também presenciaram os acontecimentos da última semana. 

Ele lembrou mais uma vez de tudo e fez esforço para ter certeza de que não foi somente um pesadelo, de que tudo na verdade estava bem. Não.. com os olhos inchados, olhou para os companheiros dormindo ainda sentados, como se tivessem estado vigilando à espera de algum milagre a noite toda.
Sabia que não conseguiria mais dormir e se levantou para verificar os amigos. Pedro saía bem cedo e ninguém o via quase o dia inteiro, e tinha sido assim desde a última noite de sexta. Os outros ainda dormiam desamparados e com o semblante caído da noite anterior, em que os prantos haviam criado uma atmosfera tão friam mas ao mesmo tempo de grande união entre eles.

A situação o fez lembrar de quando era pequeno e numa manhã de domingo como aquela, seu pai havia saído de casa enquanto filho e mãe dormiam para nunca mais ser visto. Aos sábados ia à praia e ficava sentado junto aos barcos de pesca na espera de avistar a madeira avermelhada do barco do pai surgindo no horizonte. Esse era o seu período sabático, que diligentemente realizou como um hábito, até completar seus 13 anos, quando decidiu colocar uma pedra bloqueando todas as lembranças daquele homem que o ensinara a pescar, a tecer a rede, a ter paciência, a navegar mas que, sem qualquer explicação, os abandonara.
Sentado na beira da cama, pensou em ir à praia como quando era criança e deixar todos os seus pensamentos à deriva. 
Quando ia passar pela porta vem correndo Pedro e entra junto com João, e mal conseguiam falar. Alguma coisa tinha sumido e os panos brancos...Alguns acordam com a agitação e nisso entra Madalena gritando que tinha visto o Mestre. O Mestre... Agora todos já estavam despertos e espantados com o que ouviam daqueles homens e mulher.
Madalena já tinha ficado cara a cara com a sombra gélida da morte e sua eterna gratidão era pelo homem que mudou seu destino apenas com palavras. O Mestre havia perturbado a ordem de toda a sociedade realizando atos como este. Havia surgido de baixo, mostrando uma sabedoria amorosa e paciente, havia realizado curas além de qualquer medicina conhecida e demosntrações de um poder sobrenatural que há séculos o povo não via, mas sabiam de sua existência pelos livros. Seu fim foi como de qualquer insurgente. Seu fim foi fatal.

Para o homem, a história que Madalena contava e repetia muitas vezes parecia invenção de uma mente deseperada para fugir da realidade.. O Mestre tinha partido. Não deveria permitir que uma esperança tola assim o frustrasse. Alguem provavelmente havia roubado o corpo do Mestre.
Deixando o rebuliço para trás, vestiu-se com a capa e saiu para caminhar até a praia. Ao voltar encontrou um tumulto ainda maior dentro da casa. Havia outros ali reunidos e todos tinham um brilho de esperança no olhar, do qual ele não conseguia compartilhar. Haviam visto o Mestre! No fundo do seu coração bateu um velho sentimento reprimido, que ele conseguiu bloquear mais uma vez. Não... era possível todos estarem enlouquecendo? Tinham visto coisas inexplicáveis, e agora usavam isso pra tentar apagar a tristeza da separação.
Ninguém ali entendia de separação como ele. E lutava com o sentimento lá no fundo.

Alguns dias depois enquanto comiam a portas trancadas por causa da perseguição, lembravam da semana anterior, quando um pão como aquele lhes era entregue pelas mãos fortes do Mestre. 

Depois de se abaixar para recolher uma migalha, uma mão oferecia o pão ao homem que colocava pedras sobre esperanças. Uma mão grande e marcada por uma cicatriz não merecida. Era ele, o homem barbado que mostrava um sorriso sereno era o mesmo que havia estado com eles nos três últimos anos mudando todos seus paradigmas. Havia reensinado aquele homem a pescar e também a viver, porque não sabia. "Tomé, disse ele, toque minhas mãos. Agora, homem, pare de duvidar e creia!"

E ele creu, e riu da própria incredulidade, abraçado ao Mestre novamente. Ele havia voltado pra casa! Todos comeram juntos e o Mestre se despediu entre as nuvens.

Foi na praia no dia seguinte que pode pensar em tudo que havia ocorrido. O Mestre havia voltado pra casa como tinha avisado. E haveriam de estar juntos um dia novamente! Dali em diante esse seria o seu amanhã. E cria que podia viver para esse amanhã somente. Pela janela aberta via a pesca, as nuvens, o Mestre. O trabalho, a recompensa, o reencontro.




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