el sonido de los bermudas

31 agosto 2010

Óleo em tela

O mundo para ele era um mistério. Apesar da idade ainda se intrigava com as pessoas e o seu caminhar nessa terra de surpresas e de Destino. Mas a visão que tinha das coisas ao seu redor não era nada clara, e sim como uma grande pintura impressionista. E era só assim que sabia ver o mundo.
(De fato, como toda obra de arte a realidade também esconde detalhes dos mais sutis que, antes da tinta, do pincel e da mão do pintor, tinham estado no coração de um artista.)
Descendo pela plataforma da estação de trem, os vultos coloridos e borrados iam de la pra ca e criavam sombras compridas no chão, nas quais evitava pisar por diversão. Um trem chegou e fez tudo tremer. O gigante de metal rendia compridas pinceladas paralelas e pontos reluzentes carregados de tinta branca. Era tanta tinta que quase se podia ouvir com os olhos o som pesado do maquinário enquanto o trem parava. As portas se abriram e os borrões coloridos saíram dos vagões para a entrada dos outros que aguardavam ali fora, e o que eram vários vultos agora se mesclavam pra formar uma grande massa de cores se misturando na sua frente.
Assim que o trem partiu em velocidade, tornando-se o borrão acinzentado magno, ele percebeu uma forma do outro lado dos trilhos. Uma criança no colo da mãe e, para sua surpresa eram a imagem mais nítida que ja vira na vida. Ela se atrapalhava com as bolsas e o menino no colo e aceitou a ajuda oferecida por ele, que se se aproximava daquela imagem tão fina. "Como é o nome dele?" tentou começar a conversa, "É Henry" respondeu a mãe. E começou a contar a história do menino desde seu nascimento, motivo de tanta alegria na família, até que vieram os primeiros sintomas, as visitas a vários doutores diferentes, o diagnóstico da doença rara e a mudança da rotina no seu salão de beleza para um cuidado integral ao pequeno Henry. "Estamos indo ao médico hoje, acho que ele está melhor!" E fez um carinho especial no menino que respondeu com um sorriso e alguns movimentos espásticos, dos quais a mãe pareceu se orgulhar. 
Pensou que aquela mulher tinha nos braços um filho que precisaria dela para o resto da vida. Abriu mão do salão de beleza com que tanto sonhou e se empenhou, e ali estavam os dois em meio àquela estação de tinta passada em traços corridos e imprecisos. Aquela mulher tinha nos braços o que todos em volta pareciam deixar em pincéis grossos e cargas exageradas de tinta. Então ele entendeu porque via seu contorno tão rico. Ela tinha achado seu sentido pra vida.

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